P. Em Language and Responsibility você chama a atenção para o papel do intelectual na manutenção da ordem social e na defesa dos interesses da elite e, em seguida, critica a idéia de que o conhecimento social (a História, a política internacional etc.) requer ferramentas especiais (teoria, metodologia) que o homem comum não tem e não pode ter. Ao mesmo tempo, a crítica que denuncia essa especialização perversa do conhecimento social é ela mesma especializada (no sentido em que requer tanto empenho, que apenas o “intelectual” ou o diletante esforçado podem fazê-la). Como o intelectual crítico pode escapar do dilema de criticar a especialização e ser ele próprio um especialista?
R. Eu acho que você deve ser honesto. Se você me pedisse para explicar-lhe a matéria que eu ensino nos meus cursos de pós-graduação em cinco minutos, eu diria que é impossível, porque ela requer muita fundamentação, muito entendimento e requer também conhecimento técnico etc. Mas se você me pedisse para explicar a crise da dívida brasileira em cinco minutos eu diria que sim, porque é elementar. Na verdade, virtualmente tudo relativo à política e à sociedade está na superfície. Ninguém entende as coisas muito bem e até mesmo nas ciências; uma vez além das grandes moléculas, tudo se torna bastante descritivo. As áreas nas quais há um conhecimento significativo e não superficial são raras. Se existe, você respeita; eu não vou falar de Física Quântica porque eu não entendo nada.
Por outro lado, essas outras questões são acessíveis a todo mundo. Uma das coisas que os intelectuais fazem é justamente tornar essas questões inacessíveis, por várias razões, inclusive razões de dominação e de interesse pessoal.
É muito natural para os intelectuais fazerem as coisas simples parecerem difíceis. É o mesmo motivo que levava a Igreja medieval a criar mistérios. Aquilo era importante. Leia o grande inquisidor de Dostoievsky, ele diz de uma forma magnífica. O grande inquisidor explica que você deve criar mistérios porque de outra forma as pessoas comuns vão entender as coisas e elas devem ficar subordinadas, então você tem que fazer as coisas parecerem misteriosas e complicadas. Esse é o teste do intelectual. É também bom para eles. De repente, eles são pessoas importantes falando de coisas que ninguém entende... Às vezes, as coisas ficam meio cômicas, como no discurso pós-moderno. Principalmente em Paris, aquilo virou uma caricatura, é tudo jargão. Mas é muito arrogante, há muitas câmeras de televisão, muita pose, todos tentando decodificar e descobrir o significado por detrás das coisas, coisas que você pode explicar para uma criança de oito anos. Não há nada lá.
Essas são formas pelas quais os intelectuais contemporâneos, inclusive aqueles na esquerda, criam grandes carreiras, conseguem poder, marginalizam as pessoas, intimidam etc. Nos Estados Unidos, por exemplo, e, na verdade, em boa parte do terceiro mundo, muitos jovens militantes se sentem simplesmente intimidados pelo jargão incompreensível que vêm dos movimentos intelectuais de esquerda, que é impossível de entender, e faz com que as pessoas sintam que não podem fazer nada porque, a não ser que de algum modo entendam a última versão pós-moderna disso e daquilo, não podem sair às ruas e organizar as pessoas pois não são suficientemente inteligentes. Pode ser que a intenção não seja essa, mas o efeito é uma técnica de marginalização, controle e interesse próprio. As pessoas ganham prestígio, viajam bastante, vivem em altos círculos etc. Paris é talvez a versão mais extrema disso. Lá virou quase uma caricatura, mas você encontra também em outros lugares. Por outro lado, a pergunta que você deve fazer em relação a esse ponto é a seguinte: se há uma teoria ou conjunto de princípios ou doutrinas que são muito complicados e você tem que estudá-los, peça que lhe expliquem com palavras simples. Se alguém puder fazê-lo, então leve a sério. Peça para um físico, ele pode fazê-lo. Se há algo sobre uma experiência em Física que eu não compreendo (o que acontece com freqüência) eu posso procurar meus amigos no departamento de Física e pedir para que eles me expliquem, eu digo o nível no qual eu quero entender e eles podem fazê-lo. Da mesma forma que eu posso explicar para eles algo que esteja acontecendo num seminário de pós-graduação em Linquística, nos termos e com os detalhes que eles queiram entender - eles terão uma idéia.
Tente perguntar para alguém lhe explicar o último artigo de Derrida ou outro qualquer em termos que sejam compreensíveis. Eles não podem fazê-lo. Pelo menos não puderam fazer para mim, eu não entendo. E eu acho que as pessoas devem se perguntar que grande salto na evolução ocorreu que capacita as pessoas a terem essas percepções fantásticas sobre tópicos que ninguém entende muito bem e que elas não conseguem repartir com as pessoas comuns. As pessoas devem ser muito céticas quanto a isso. Na minha opinião, é apenas mais uma técnica pela qual os intelectuais dominam as pessoas.
Notas: CHOMSKY, Noam. Notas sobre o anarquismo. São Paulo: Editora Imaginário e Sedição Editorial, pág. 135 - 7; Jacques DERRIDA, “filósofo da escola do desconstrutivismo, uma metodologia analítica que vem sendo aplicada na Lingüística, no Direito, Literatura e Arquitetura” (pág. 210)
quinta-feira, 16 de abril de 2009
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