Hoje acordei no meio de um sonho estranho: esses sonhos que servem pra gente pensar o porquê de certas coisas. E como não tinha mais jeito de retornar ao sono resolvi tomar café e vir pra telinha às 6hs da matina. Coloquei os ‘Noturnos’, de Chopin; são os clássicos que embalam minhas emoções quando preciso trazer algo à tona; quando quero falar mais com o coração.
Este sonho trouxe-me recordações esquecidas ou, talvez, escondidas pelas manobras do inconsciente. E pensei: por que não escrever algo sobre, já que os sonhos não são nada mais do que nossas inquietações, nossas dúvidas, nossos desejos ou nossos conflitos? Nossas vidas são histórias repetidas; mais dia, menos dia o mesmo se dará com outros; os sonhos só trocam de endereço; o ser humano não se difere muito na sua essência.
Quando aportamos neste mundo somos recebidos com muita alegria, mas presenteados com um fardo pesado e uma dívida interminável por pagar: pagar a quem nos deu a vida. Dívida de filho é dívida pra sempre. Tanto faz sermos rebeldes ou gente da paz: mãe e pai cobram sempre: ‘te criei, me sacrifiquei, quase morri...’ E, por outro lado os filhos, muitas vezes, são ingratos e rebeldes. E taí o impasse.
Os filhos crescem e ainda jovens desafiam a tudo e a todos: querem a liberdade e o respeito; querem o leme de suas vidas, governá-las, serem donos de seu espaço, mas vivendo e sendo sustentados pelos pais. E dá-se o conflito: entra a violência das acusações, das dissimulações, das mentiras, do rancor e de todas as transgressões. Muitas vezes - não sempre -, pais e filhos viram rivais, lutam em campos opostos e não se dão conta. É uma miscelânea de sentimentos de difícil compreensão entre as duas partes. Mas o amor persiste: mesmo camuflado e acobertado por chantagens, é o mais forte dos amores: é sanguíneo.
Pois bem, temos mãe e pai. E são eles que poderão vir a nos incomodar quando falecerem: ficarão nas lembranças vividas, em porta-retratos, em livros, nos bens deixados... Nosso inconsciente 'agradecerá'. Tudo continuará dívida de gratidão. E o que fizemos ou deixamos de fazer virará culpa - pelo menos por um certo tempo. Depois as coisas se arrumam.
Entre pais e filhos há laços sanguíneos, afetos profundos, obrigações e poucos direitos: nenhum aceita conselho do outro; há uma certa ‘disputa de forças’, coisa meio velada.
Pais são pais; filhos são filhos. Existe uma hierarquia imposta, mesmo quando os filhos já são adultos. E os filhos crescem devendo, obedecendo, agradecendo... Isto é péssimo, estraga qualquer relacionamento.
Pais são pais: não são anjinhos. Eu sou filha e sou mãe. Mas sei que quando nossos pais se vão, fazem muito estrago: deixam uma bomba relógio que só com o tempo e paciência conseguiremos desativá-la no nosso inconsciente. Por isso acho que os mortos, sendo nossos pais, incomodam. Deixam-nos em conflito.
Estou ouvindo os Noturnos e pensando... Acho que no meu sonho soltei minhas amarras: penso que não tenho mais dívidas a pagar, soterrei alguma culpa que ainda poderia estar submersa. Nada quero a não ser uma doce lembrança.
E o mais significativo é que dei asas aos meus filhos: que voem! Nada me devem. Nem a vida, pois nunca a pediram. Só quero que sejam felizes: cada um a seu modo.
Muito bom! Quem será o autor?
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